sábado, 28 de dezembro de 2013

Os 5 desafios de Danilo Gentili no SBT


Terça-feira, 20 de junho de 1989. O Jô Soares Onze e Meia entrava no ar mais uma vez nos fins de noite do SBT. Na oportunidade, a presença do senador Humberto Lucena (PMDB-PB), famoso (ou acusado) de ser o campeão de empregar parentes no Congresso. Jô Soares não perdeu tempo e começou a ler uma lista de supostos parentes que o senador teria dado emprego e Humberto Lucena rebatia um a um, sem pestanejar. Até que apareceu o nome de Josecler Gomes Moreira. O nome “diferente” motivou Jô, com direito a sotaque, a provocar o entrevistado com bom humor. “Mas Josecler não é nome de paraibano não, senador?” e de novo “Josecler não é paraibano?” e foi insistindo até que Lucena soltou irritado: “Vamos levar a coisa a sério, Jô”. A brincadeira repercutiu e o que a imprensa já badalava, se revelou verdade: Josecler era marido de uma sobrinha de Lucena. Na verdade, Jô estava errado numa coisa: Josecler não era paraibano, mas sim carioca, do bairro do Botafogo. Mas o que interessava era que Jô fez uma entrevista que prometia ser enfadonha repercutir e ao mesmo tempo ser engraçada como um legítimo talk-show tem que ser.

Contei essa historinha porque 14 anos depois da saída do ar do Jô Soares Onze e Meia, da programação do SBT, a emissora pode finalmente retomar a linha dos talk-shows, com a contratação de Danilo Gentili, grata revelação do CQC e, nessa área, do Agora é Tarde a partir de 2011.

Jô Soares foi pioneiro na TV brasileira ao lançar um talk-show no Brasil. Até então, programas de TV se restringiam a entrevistas, como era o Programa Ferreira Netto no início da década de 80 pelo SBT. A ideia do talk-show vai além: é um programa de auditório, de regra, geralmente com banda e a presença forte do humor, com sacadas inteligentes e rapidez de raciocínio durante a conversa. Muito comum nos Estados Unidos, quando chegou ao Brasil através de Jô, foi um impacto sem igual. Jô, mesmo no SBT, virou queridinho das atrizes globais, que a cada pergunta sobre programas preferidos, enumeravam sempre o programa do entrevistador. Eram os casos, na época, de Malu Mader, Cláudia Abreu e várias outras.

O Agora é Tarde, com Danilo Gentili, não vai muito além. Apesar da pegada mais jovem, até pela característica de seu apresentador, a banda permanece lá, o auditório está lá, o humor, como natural de todo humorista, evidentemente, está lá. Seja na abertura do programa naquele momento stand-up, seja em boas sacadas durante quadros e entrevistas.

Agora, no SBT, o formato não deve fugir muito do que Jô fez no SBT e muito menos do que Gentili fazia na Band. Embora se fale muito na imprensa sobre possíveis processos da Band caso Gentili cometa plágio de quadros, é fácil perceber que tudo tem uma clara inspiração em atrações já pré-existentes nos Estados Unidos. Um possível processo da Band saindo como vencedora numa ação dessas, abriria um precedente até mesmo para as emissoras americanas a barrarem outros talk-shows no Brasil, como o próprio Agora é Tarde, da Band. Valeria o risco?

Como dito no título, vislumbro 5 desafios essenciais para Danilo Gentili nesse acerto com o SBT. Vamos a eles:

1) Retomar a tradição de Jô Soares no SBT: Esse já falamos bastante aqui. Gentili chega com a missão de retomar um estilo de programa abandonado pelo SBT desde o final de 1999, quando Jô acertou com a Rede Globo. À época, o SBT ainda tentou colocar o Programa Livre, com Babi, nas madrugadas para cobrir o rombo, mas o formato era totalmente diferente. Apesar das entrevistas e presença de plateia, nem de longe existia o foco para o humor. Por mais alterações que Gentili seja forçado a fazer, por causa dos direitos do antigo programa, a ideia de talk-show será mantida e será o programa mais próximo de Jô Soares no SBT, desde a saída do apresentador. Isso deve ser encarado não como um peso, afinal Gentili já tem um estilo próprio, mas como responsabilidade de fazer algo de qualidade como era a atração do antecessor.

2) Reconquistar o público jovem para o SBT: Na mesma época que Jô Soares deixou o SBT, outro apresentador também deixou a emissora: Serginho Groisman. Esse último comandava o Programa Livre desde 1991, na emissora, e apesar da audiência não ser alto retumbante, mantinha com o público jovem um grande carisma, capaz de atrair esse público a se interessar pelo SBT. A chegada de Danilo Gentili ao SBT, por sua identificação com os jovens, pode ajudar bastante nesse processo de reconquista. Público jovem, especialmente universitário, curte muito talk-show. Lembro-me, dos tempos de faculdade, em que o povo falava que chegaria em casa e ainda esperaria começar o Jô. Nessa época, o Agora é Tarde ainda não existia. Mas agora o SBT pode oferecer essa opção ao público pós-faculdade ou mesmo ser uma transição interessante entre o público da linha de shows e o jornalismo (Jornal do SBT).

3) Dar prestígio e trazer força comercial às madrugadas do canal: Pelo que está sendo falado na imprensa, a intenção de Silvio Santos é investir em produtos qualificados em 2014, que atraiam o interesse do mercado publicitário e gerem credibilidade. Momento parecido passou o SBT no período 1986/1988, quando a emissora desencadeou uma série de contratações (Hebe, Carlos Alberto, Jô Soares e Boris Casoy), com vistas a reforçar sua imagem junto ao público. Vejam: a ideia não é elitizar a programação, o que seria um tiro do pé e sim qualificá-la, com profissionais que agreguem qualidade e sejam bem sucedidos em suas respectivas áreas. Foi assim que o SBT cresceu no humor, jornalismo e auditório nos anos 80. Para 2014, o SBT pretende fazer das madrugadas algo de credibilidade e ao mesmo tempo rentável. Com a chegada também de Otávio Mesquita, a dobradinha ex-Band, pode fazer a emissora faturar muito, mesmo sem a presença de pastores nessa faixa horária.

4) Provar que existe independência com Silvio Santos: Eis um dos maiores mitos da história do SBT. Apesar dos contratados da casa sempre dizerem aos quatro cantos que tem liberdade para trabalhar, invariavelmente tal ponto é colocado como obstáculo para contratações de novos artistas, especialmente do humor jovem, geralmente sem papas na língua. O fato do SBT ser uma emissora comandada pelo centralizador Silvio Santos, certamente iria cortar as “asinhas” de quem excedesse nas piadas. Claro que tudo tem um limite entre o aceitável e o não aceitável e o bom gosto e mau gosto, mas Gentili conseguiu carregar o Agora é Tarde, nesses mais de 2 anos, numa boa, sem grandes polêmicas ou processos. Até por isso, conseguiu destaque comercial que fez os olhinhos do SBT brilharem. Mantido o ritmo, com um bom trabalho, com a acidez moderada de sempre, não será Silvio Santos nem mesmo o SBT que irá podá-lo.

5) Mostrar que valeu à pena trocar de canal: O 5º desafio é consequência dos outros quatro. E é um resultado de ousadia. Às vezes o comodismo e a insegurança nos faz entender que o melhor é ficar quieto onde está, sem maiores agitações. “Na Band, estou seguro, meu programa fatura e dou uma audiência ótima para os padrões da emissora”. Mas Gentili resolveu arriscar e alçar voo maior. Ir para uma emissora que já tem uma tradição pré-existente com talk-show e, por isso, ser alvo de comparações; para uma emissora onde terá que conviver com a pressão de corresponder no IBOPE e no faturamento por causa do salário alto e, de quebra para uma nova emissora onde terá que recriar um modelo de talk-show, nos padrões do público do SBT e sem ser vitimado por processos da ex-casa. Guardada as devidas proporções, o risco assumido por Gentili é exatamente o mesmo que o Pânico nunca quis correr, ao renegar durante anos a chance de ir para uma emissora grande, como o SBT, com medo de sua liberdade ser dilacerada e do padrão de audiência ser alto demais para não ter uma zona de conforto. Que a coragem de Gentili seja recompensada. 

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